A pandemia do novo coronavírus levou várias startups (empresas emergentes), apoiadas pelo fundo Criatec do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a adaptarem suas linhas de produção para o combate à covid-19.

Uma dessas empresas é a Cliever, que produz impressoras 3D em Belo Horizonte (MG). “Aqui, como em todas as outras empresas, a gente entrou em pânico quando foi decretado o isolamento em função da pandemia”, disse à Agência Brasil o diretor-geral da startup, Rodrigo Krug, que recebeu R$ 3 milhões do Criatec 2 em 2015. “Nosso telefone parou de tocar, nossos clientes pararam de nos atender, porque também estavam parando as operações, e a gente entrou em pânico”.

Em uma sexta-feira, Krug fez as contas e decidiu dar uma semana de férias coletivas aos colaboradores para ver o que poderia ser feito no momento, para não precisar desligar ninguém. No sábado, monitorando o mercado de impressão 3D, Rodrigo Krug percebeu que havia um movimento muito forte fora do Brasil para fabricação de equipamentos individuais de proteção (EPIs) e se conectou com algumas pessoas.

“No domingo, peguei todas as máquinas que tinha em estoque e, na segunda-feira, já estava imprimindo, com mais de 80 máquinas das nossas bancadas”. Krug viu então que precisava de gente para ajudar. Chamou as pessoas da produção e a coisa foi ganhando escala. “Quarta-feira, já tinha chamado todo mundo de volta (das férias)”.

Deixou em casa os funcionários dos departamentos comercial e administrativo, prospectando oportunidades de negócio na parte de EPIs. Ele tomou medidas de segurança para a turma da linha de produção tanto dentro da empresa, quanto fora dela. “A gente viu que poderia ser uma oportunidade no momento e investiu. Em vez de ficar parado, a gente se antecipou, comprou maquinário, matéria-prima e produziu 40 mil unidades de EPIs nos últimos dias. Um negócio que estava fadado a ficar parado, porque ninguém estava comprando os nossos produtos, começou a reaquecer e virou uma oportunidade de negócio que estimulou a operação da empresa durante algumas semanas e nos deu caixa suficiente para pensar no próximo passo, no pós-crise”.

Insumos

Como eles próprios estavam imprimindo os equipamentos, notaram que a demanda pelos insumos também cresceu. A Cliever já tinha o maquinário para produzir o material e começou a explorar esse mercado, que se mostrou crescente. “A gente pôde fornecer a fabricação de filamentos para nossos clientes e também de outras empresas. Querendo ou não, excluindo o malefício que a crise nos trouxe, a gente conseguiu transformar esse limão em limonada”, destacou o diretor-geral da Cliever. A pequena empresa criou um protetor facial hospitalar, o Cliever Shield.

A partir de agora, com o reaquecimento do mercado de impressoras 3D, Krug está atento às oportunidades que surgem, não só para fabricação como prestação de serviços, e na parte de filamentos em que a startup hoje tem concentradas 70% de suas operações. Paralelamente, a empresa continua esperando demanda de EPIs superior a 500 mil unidades durante a pandemia. “A gente acredita que vai haver ainda uma demanda grande sobre esses produtos. E estamos preparados para fornecer”. A capacidade produtiva de EPIs da Cliever é de 10 mil unidades por dia.

A Cliever não demitiu nenhum funcionário e acabou contratando temporários. “Minha equipe está toda integral”, afirmou Krug. “Hoje, inclusive, a gente está pensando em expandir”.

Alinhamentos ortodônticos

Especializada na fabricação de aparelhos ortodônticos, do tipo alinhadores transparentes, a partir de tecnologia de impressão 3D, junto com scanners tridimensionais, a Compass, também instalada em Minas Gerais, contou com R$ 5 milhões em investimentos do Criatec 2 desde 2015. Com o início da pandemia e da quarentena, o gerente de Marketing da Compass, Eduardo Soares, disse à Agência Brasil que o setor odontológico foi muito prejudicado, uma vez que foi proibido pelos conselhos federal e estaduais de fazer atendimentos que não fossem emergenciais.

Diante da “enorme” redução da demanda, a Compass baseou-se em pesquisas e verificou que seria possível aproveitar a capacidade produtiva e direcioná-la para fabricar itens bastante úteis neste momento de crise para o enfrentamento da covid-19. Foi assim que a startup, sem deixar de produzir aparelhos ortodônticos, decidiu direcionar a capacidade ociosa para o enfrentamento do novo coronavírus.

“Começamos a desenvolver produtos que poderiam ser usados nessa linha. Hoje, temos em produção, com uma escala razoável, dois grandes produtos com esse foco do coronavírus”. Um deles é o material denominado Swab, espécie de cotonete estéril que serve para coleta de secreções na narina das pessoas para avaliação do exame PCR, que identifica se a pessoa está ou não infectada pelo novo coronavírus. Esse Swab é importado da China. Com tecnologia própria, a Compass consegue fazer uma versão desse produto com haste de plástico e utilizando resina biocompatível antialérgica em impressora 3D.

Diferencial

Eduardo Soares informou que a diferença do seu produto em relação ao Swab tradicional é que não tem algodão na ponta. “Toda a coleta é feita em uma rede que a própria impressora gera com a resina plástica”. Segundo ele, a vantagem desse produto em relação ao algodão é que se consegue ter mais coleta de material retirado da narina. “O nosso material é uma resina plástica. Quando você mergulha aquele material na solução para fazer a análise, ele não absorve. Solta todo o material. Você consegue ter um material mais concentrado, com vírus ou não, para exame do tipo PCR”.

Também com maior força, a Compass está produzindo atualmente máscaras de proteção facial. O suporte que prende na cabeça é fabricado com as impressoras da empresa, utilizando também as resinas biocompatíveis. Para a lâmina de proteção, está sendo usado o mesmo plástico adotado para a produção dos alinhadores transparentes ortodônticos. “Ele tem uma grande vantagem, porque é um material totalmente translúcido. Ele dá visibilidade para o dentista, para o médico, muito boa”.

Quando a pandemia passar, Soares acredita que o foco principal da empresa voltará a ser os alinhadores transparentes, embora esteja vislumbrando que os protetores faciais tendem a ser tornar peça integrante do dia a dia dos dentistas em todo o país.

Nanox

Outra startup que se voltou para a produção de equipamentos de proteção foi a Nanox, de São Carlos (SP), fornecedora de tecnologia baseada em nanopartículas de prata para revestimento bactericida e antiviral em diversas superfícies, na qual o fundo Criatec 2 investiu R$ 3 milhões em 2015.

O diretor-geral da startup, Gustavo Simões, explicou que a companhia tem um produto que elimina bactérias e fungos com potencial antiviral. “Durante o início da pandemia, a gente foi procurado por uma empresa que fabrica brinquedos para desenvolver conjuntamente uma máscara do tipo N95, reutilizável, que fosse livre de bactérias e fungos. Ao longo desses 40 e poucos dias, a gente vem trabalhando em parceria com a Elka, que vai vender a máscara”.

Essa máscara N95 é feita a partir de uma espécie de borracha, do tipo usado na confecção de toucas de natação, que é super moldável ao rosto, além de fungicida e bactericida. “Isso é que a gente está fazendo para combater a covid-19, além de outros produtos que temos desenvolvido e lançado com alguns clientes na área têxtil, como tecidos para produção de jalecos e outras aplicações que podem ter um potencial antiviral também”, disse Simões. Desde o início da pandemia, a Nanox registrou aumento de 400% na procura por seus produtos.

Consumo

Gustavo Simões informou que a Elka produz a máscara N95 e a Nanox fornece o aditivo que confere essa propriedade antibactericida. A máscara pode ser lavada e reutilizada e fica livre de bactérias e fungos. Segundo o executivo, a produção das máscaras N95 deverá ser toda consumida no Brasil, inicialmente. “A demanda está muito grande aqui”. Eles estão em contato com empresas internacionais para licenciar o produto em outros países. Os lotes piloto já estão sendo produzidos e em cerca de 15 dias as máscaras deverão ser lançadas, após os trâmites necessários, com certificação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para que as peças possam ser comercializadas com toda segurança.

Paralelamente, a startup mantém a linha que já fabricava, de produtos sólidos, em pó, que podem ser misturados a qualquer tipo de plástico para fazer embalagem, luvas, máscaras, tecidos e até eletrodomésticos”, explicou o diretor-geral. A linha de líquidos é destinada a tintas e madeira.

Gustavo Simões afirmou que a empresa, como qualquer companhia do país, sentiu o impacto da pandemia e teve que ser criativa para descobrir outras soluções. “Porque, senão, estaríamos ferrados”. A Nanox também não demitiu ninguém até o momento. “Não é nossa pretensão”. No período pós-crise, a ideia é entrar na área de higienização, criando produtos para limpeza de superfícies, desinfecção de ônibus e locais onde há grandes aglomerações de pessoas. “Acho que vai ser o futuro para os próximos anos”.

Capacidade

Na avaliação da gerente da Área de Mercado de Capitais do BNDES, Lívia Ribeiro, é bastante gratificante ver startups que receberam investimentos dos fundos Criatec atuando no combate à pandemia. “A capacidade de empresas brasileiras de atuarem em momentos críticos com tecnologia competitiva reforça a tese da necessidade de investimentos em startups‘, afirmou.

Os fundos da série Criatec são de investimento em participações em micro, pequenas e médias empresas (MPMEs) inovadoras, nos quais a BNDES Participações (BNDESPar), subsidiária de participações societárias do banco, investe juntamente com outros parceiros, em sua maioria bancos de desenvolvimento regionais. O Criatec está em sua terceira edição e, juntos, os fundos já apoiaram mais de 90 empresas brasileiras, viabilizando o registro de cerca de 100 patentes e a criação de mais de mil produtos, informou o BNDES.

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