São quase 13h, enquanto escovo os dentes, após minha refeição, há um paciente em algum hospital mundo afora gritando: “Enfermeira”. E lá vai a gladiadora paramentada de vestes azuis e uma touca descartável que esconde o cabelo que na noite anterior recebeu um tratamento químico para encobrir um ou dois fios brancos. A idade já fez perder o tom. Sob a luva de látex com um pó que degrada sua macia mão esconde o esmalte recém retocado. Ela inspeciona o soro glicosado e prepara uma seringa: sua arma contra inúmeras doenças; tantas que nem ela consegue pontuar. Hoje alguém gritou e ela teve que colocar duas ou três novas peças em sua armadura, um capote, outro par de luvas, um escudo facial e uma máscara que insiste em esconder seu lindo sorriso.
Ela acaba de entrar no CTI para ajudar um paciente infectado com Covid-19 e não sabe se sai de lá sem ser contaminada. Esse tipo de relato acontece às 9h, às 15h, às 23h e às 2h30, ou seja, o dia todo, todo o tempo, seja aqui em Campo Grande, em São Paulo, Roma ou Wuhan, na China. Não importa o local, elas estão sempre lá, dispostas, colocando a própria vida em risco pela vida de alguém, que pouco sabe sobre ela, sobre o que passou e o que passa para estar ali.
85% das pessoas que escolhem ser enfermeiros são mulheres. Mães e filhas que deixam suas casas sem saber se vão voltar, ou que horas o plantão vai terminar. “Será que dá tempo para o churrasquinho do fim de semana?” Uma retórica que todos sabem a resposta. Novamente eles estarão no CO, no CTI, no PAM, ou no Ambulatório mesmo. O Ano Novo foi na oncologia e o Natal, ali na NEO. Enquanto seus familiares estão em festa, eles estão trabalhando para salvar vidas.
Rosana Leite de Melo, médica cirurgiã, é diretora-presidente do HRMS e convive com 190 enfermeiros ativos no Hospital Regional de Mato Grosso do Sul (HRMS), e sempre que reflete sobre a enfermagem tem em mente a palavra CUIDAR! Rosana parabeniza sua equipe, seu time dos trabalhadores de profissionais da Saúde. “Esta profissão, não um ofício, que utiliza a arte e a ciência, que possui grande significado ao ter o seu dia no mês de maio, mês das mães, remetendo à maternidade. Vocês não só mostram e demonstram, a cada ação, a Arte do Cuidar e, quando a ciência já se despediu, vocês também têm o dor de acalentar!”
Nasce uma criança no Hospital Regional, durante o plantão da enfermeira Silvania, na UTI Neo Natal, que corre para ajudar a mãe e a criança. O bebê recém-nascido é prematuro, precisa de cuidados especiais e vai para a incubadora receber todos os carinhos necessários. Dias depois do parto, uma surpresa: a mãe retorna ao hospital com seu filho no colo para a equipe ver o desenvolvimento da criança. Resultado de um trabalho conjunto: médicos, enfermeiros e técnicos. Silvania Corrêa Gaúna (41) se emociona ao relatar suas experiências como enfermeira. “É muito gratificante quando a mãe traz o bebê para a gente ver a progressão, é coisas que dinheiro nenhum paga”
Para essa criança nascer, Carla levou o material esterilizado do CME para o CO. Ela levantou cedinho para trabalhar e em época de pandemia, seus filhos ficam com os avós, enquanto o marido Tiago, também técnico de enfermagem, traz ela para o Hospital Regional. “Todo dia eu saio de fininho para a Morgana não me ver, se ele acordar ou me vê saindo já questiona: ‘Vai para o hospital, mamãe?’ E chora muito me vendo sair. O João é mais de boa, me dá até tchau!” Carlinha, como é conhecida no Hospital, é técnica em enfermagem e está no administrativo do CME (Central de Material e Esterilização). Efetiva do hospital, Carla Costa Gomes (38) é enfermeira pós-graduada em Urgência e Emergência, mas quando assumiu o concurso como Técnica de Enfermagem não havia terminado a faculdade.
Mesmo longe de setores onde o Covid-19 ronda, a enfermeira não abraça seus filhos quando chega em casa. Ela entra pelos fundos e vai direto à lavanderia, coloca toda sua roupa para lavar separadamente. Toma banho, passa álcool gel, e mesmo assim, não se sente segura: “Meus filhos têm problemas respiratórios, tenho muito medo”, confidencia.
Exceção em sua profissão, Reginaldo Omido Junior está há 6 anos no Hospital Regional, mas há 15 começou a trabalhar na saúde como técnico de enfermagem. Com o passar do tempo e depois de passar por alguns hospitais, sentiu que ser enfermeiro era sua vocação. “O enfermeiro é um profissional indispensável na área hospitalar e na saúde pública. Hoje não se faz prevenção e cuidados sem um profissional da enfermagem”, define.
Quando o Covid-19 começou a se tornar uma epidemia, Rosana Leite de Melo, pensando no futuro e assegurando uma frente de batalha de enfrentamento, chamou diretora de enfermagem Ana Paula Souza Borges Bueno para liderar o gabinete de crise. E com ele, criar um plano de enfrentamento à pandemia que desse suporte para a macrorregião de Campo Grande ter um hospital de referência, que pudesse estar pronto para o novo coronavírus.
O resultado foi bem positivo. O tratamento clínico, os protocolos médicos, são tão bem elaborados, que foram copiados por outros estados e hospitais, inclusive particulares. Treinamentos e serviço social são oferecidos aos colaboradores do Hospital, que têm acompanhamento médico e psicológico. Uma frente de batalha foi criada com um Hospital de Campanha que assegure a funcionalidade do prédio, evitando um colapso no sistema de saúde.
A enfermeira Ana Borges é uma das responsáveis pelo sucesso e pelos números expressivos do enfrentamento. “Como diretora de enfermagem tenho que estar sempre pronta para enfrentar desafios e essa pandemia é o maior deles até agora. Como enfermeira, preciso estar tranquila e com as mãos firmes. São elas que trazem esperança e tranquilidade para o enfermo. Na sua frente tem alguém que você nunca viu na vida, e mesmo assim, você se dedica ao máximo para que aquela pessoa possa sair curada”.
O secretário de Saúde do Estado, Geraldo Resende espera que no final de tudo, todos possam retornar para suas casas com vida, saúde e o sentimento do dever cumprido. “Parabenizo os enfermeiros de todo o Brasil, em especial de Mato Grosso do Sul, pela passagem do seu dia. Esses profissionais são heróis numa luta sem trégua que travamos na saúde pública, na linha de frente da guerra contra o coronavírus. Muitos tiveram que abandonar suas famílias para cuidar da vida de pacientes da Covid-19, sendo que 98 deles, no Brasil, acabaram contaminados e faleceram com esta doença. Por isso, transformaram-se em verdadeiros mártires nessa batalha”.